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Julgamentos e prescrições na linguagem

  • Foto do escritor: Gabriel
    Gabriel
  • 1 de mar. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 12 de mar. de 2024

Seja sincero. Você julga a linguagem das pessoas? Eu sei que sim.


Você não é o único. Sua mãe dizia que era feio usar palavrões. Seu professor falava que usar o pronome átono no começo das orações era sinal de falta de cultura. Seu amigo militante fala que sua linguagem é sexista. A verdade é: todos julgamos, consciente ou inconscientemente.





Julgamentos sobre a linguagem estão por todo lado, mas raramente andam sozinhos. É comum que estejam juntos de suas eternas companheiras, as prescrições. Uma ilustração pessoal sobre esse par: confesso que acho que a mesóclise é um fóssil linguístico (julgamento), por isso recomendo que ninguém use construções como "achá-la-ei" (prescrição).


Sim, todos julgamos e alguns de nós, mais abusados, prescrevemos. Mas, é claro, nem todos julgamentos e prescrições são igualmente válidos.

Já ouvi dizer, por exemplo, que a expressão linguagem clara é racista. Nitidamente, trata-se de um julgamento ruim. Clareza é uma qualidade do mundo físico, daquilo que é bem iluminado, fácil de ser percebido. Como somos criaturas muito visuais, acabamos estendendo o sentido de clareza, daquilo que é facilmente percebido para aquilo que é facilmente entendido. Ora, alguém pode negar que é mais fácil enxergar no claro que no escuro? Por extensão, alguém pode negar que é mais fácil entender um texto claro que um obscuro? É triste ver como a paranoia pode levar a julgamentos linguísticos absurdos (para mais exemplos clique aqui).


Do lado das prescrições, facilmente encontramos a mesma falta de critério. Muita gente tenta manipular a língua por uma boa causa, mas acabam mais atrapalhando do que ajudando. Eis um exemplo de engenharia linguística pobre: usar @ para tornar a linguagem mais inclusiva (como em senhor@s, autor@s etc.). Ora, além de só atingir a linguagem escrita, essa prescrição atrapalha o leitor automático de texto para cegos.


Julgamentos e prescrições assim expressam nosso anseio por uma sociedade mais inclusiva. A crença subjacente a eles é de que é possível mudar a sociedade, para melhor, através da mudança de hábitos linguísticos. No entanto, boas intenções nem sempre vêm acompanhadas de bons resultados...


Prescrições que produzem mudanças positivas


Obviamente, o movimento da linguagem clara também tem seus julgamentos e prescrições, que são o tema deste blog. Quanto ao julgamento, vou assumir por enquanto que todos concordamos que textos de interesse público (bulas de remédio, sites do governo, decretos etc.) devem estar escritos em linguagem clara. As prescrições, por outro lado, são mais complicadas.


Não existe exatamente uma receita receita de bolo para alcançar o ideal da linguagem clara, mas pelo menos temos algumas diretrizes bem fundamentas que podem nos ajudar. Aqui estão dez delas (o documento original pode ser encontrado aqui):




Justificadamente, prescrições têm uma péssima fama quando o assunto é linguagem. Geralmente elas estão associadas a uma tentativa arbitrária de controlar a liberdade linguística das pessoas. Mas quero argumentar aqui, sobretudo para os linguistas, que as prescrições da linguagem clara são diferentes. Afinal, as prescrições da linguagem clara:


  • comprovadamente tornam os textos mais inclusivos, isto é, o movimento da linguagem clara apresenta mais do que boas intenções políticas.

  • são baseadas em evidências, e não em intuições linguísticas.

  • são motivadas por julgamentos morais que não causam (muita) controvérsia, como ocorreu com os da cartilha de linguagem politicamente correta, lançada pela Secretaria de Direitos Humanos em 2004.

  • são relativamente fáceis de serem adotadas — ao contrário, por exemplo, da proposta para usar novos morfemas (menines, todes, amigues) e pronomes neutros (ilu, elu, ili).


Para concluir, meu argumento a favor das prescrições da linguagem clara é que, conforme nosso conhecimento sobre a linguagem aumenta, melhores decisões elas nos ajudam a tomar. Por exemplo, à medida que descobrimos o que torna a leitura mais fácil, mais aptos estamos para fazer escolhas que beneficiarão nosso leitor. Mais aptos estamos também para evitar escolhas ruins, como usar palavras pouco conhecidas, construir sentenças longas e cheias de inversões sintáticas, usar desnecessariamente línguas estrangeiras, como é caso do latim em textos jurídicos, etc.




Num contexto mais amplo, as prescrições de linguagem clara se alinham à tese do filósofo Sam Harris, de que a ciência pode nos ajudar a responder questões morais. Afinal, as prescrições de linguagem clara são sustentadas por pesquisas empíricas e desempenham um papel crucial na era da informação: elas fornecem estratégias para tornar o conhecimento mais acessível.


Se acreditarmos que isso contribui para maximizar o bem-estar humano, então as prescrições da linguagem clara nos dão respostas empiricamente embasadas para questões morais cruciais na linguagem:


  • como eu posso disponibilizar informações técnicas para o público leigo?

  • quais estratégias posso adotar para que meus textos alcancem o maior número de pessoas?

  • o que eu posso fazer para que o conhecimento não fique restrito aos ambientes acadêmicos?

  • é possível tornar a sociedade mais inclusiva através da linguagem?


Pois é. Muitas questões complexas. E, com o progresso das pesquisas sobre linguagem, cada vez ficamos mais aptos para respondê-las.

Acompanhe mais o blog se você quiser mais evidências para responder essas e outras questões linguísticas.


Até a próxima, pessoal!





 
 
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